São Francisco de Assis e a Paz: Uma Perspectiva Histórica sobre a Diplomacia Religiosa | Artigo



São Francisco de Assis e a Paz: Uma Perspectiva Histórica sobre a Diplomacia Religiosa.

Fr. Murilo Ferretti Previati, OFM


Quando falamos de diplomacia, geralmente imaginamos salas de reunião luxuosas, discursos cuidadosamente elaborados e aperto de mãos entre chefes de Estado, não é? Mas a história nos reserva algumas surpresas. Entre elas, está a inacreditável jornada de um homem descalço, vestido com um simples habito de pano, que decidiu atravessar um campo de batalha para encontrar um sultão muçulmano. Esse homem era Francisco de Assis!

Vamos direto ao ponto: em 1219, durante a Quinta Cruzada, Francisco de Assis viajou ao Egito para se encontrar com Malik al-Kamil, sultão do Egito e sobrinho do lendário Saladino. E não, ele não levou consigo um exército ou uma espada. Ele simplesmente foi movido por sua paixão pelo Evangelho e sua missão de promover a paz.

Os cruzados estavam sitiando Damietta, um ponto estratégico no Egito. O cerco já durava meses e, como sempre acontece em tempos de guerra, as coisas não estavam nada bonitas para nenhum dos lados. Em meio ao caos, Francisco e um de seus companheiros, frei Iluminado, decidiram atravessar as linhas inimigas para pregar a paz. Sim, atravessar. Sem proteção, sem escolta, apenas com a esperança de que não seriam mortos no meio do caminho.

Contra todas as expectativas, Francisco foi recebido pelo sultão, que, ao contrário do que os cruzados podiam imaginar, não mandou matá-lo imediatamente. Pelo contrário, os relatos sugerem que os dois tiveram várias conversas sobre fé, espiritualidade e paz. Dizem que o sultão ficou impressionado com Francisco, e os historiadores discutem até hoje se ele tentou converter o santo ao Islã ou se apenas apreciou sua coragem e devoção. O fato é que Francisco ficou lá por vários dias, saiu vivo e ainda recebeu presentes do sultão.

Agora, pare e pense: no meio de uma guerra religiosa, um cristão decide conversar, não combater. Isso não é comum, não era comum naquela época e, convenhamos, não é tão comum nem hoje. O encontro entre Francisco e Malik al-Kamil mostra uma abordagem diplomática baseada no diálogo e no cristianismo, muito diferente de uma estratégia agressiva que certamente não geraria frutos.

O mais interessante é que, apesar de não ter conseguido converter o sultão – e, sejamos sinceros, isso seria uma missão quase impossível –, Francisco voltou da viagem com algo muito maior: uma visão mais profunda do Islã e um desejo ainda mais ardente pela paz. Ele ordenou que seus frades vivessem entre os muçulmanos sem tentar convertê-los à força, mas sim pelo testemunho de vida. Isso era revolucionário para a época, um método autêntico de conversão, proveniente dos ensinamentos do próprio Cristo.

Mais do que isso, Francisco estabeleceu um modelo de diplomacia religiosa que continua relevante. Em 2019, exatamente 800 anos depois do seu encontro com o sultão, o Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar assinaram um documento sobre "Fraternidade Humana", com a promoção do diálogo entre cristãos e muçulmanos. Ou seja, a semente que Francisco plantou no século XIII ainda dá frutos.

Francisco de Assis pode não ter sido um diplomata no sentido tradicional, mas ele entendia algo que muitos políticos ainda custam a aprender: a paz muitas vezes não se constrói com espadas, e sim com palavras e gestos concretos de respeito. 

Então, da próxima vez que alguém disser que um só homem não pode mudar nada, conte a história de Francisco. E quem sabe, talvez essa pessoa também decida apostar na paz.

______________________

ESPOSITO, John L. Islam: The Straight Path. Oxford University Press, 1999.

MOUSSA, Mario. The Saint and the Sultan: The Crusades, Islam, and Francis of Assisi's Mission of Peace. Doubleday Religion, 2011.

NICOLLE, David. The Fifth Crusade 1217–1221. Osprey Publishing, 2009.




 

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem